http://www.educare.pt/educare/Detail.aspx?contentid=7CE12D5DC5204CFEBF5148D368B781BD&channelid=8A4D0E7C9C13D646AD251EDC9DBAA203&schemaid=&opsel=2
Site: Educare
EDUCAÇÃO EMOCIONAL
Paulo Périssé| 2007-06-01
Quando as crianças não desenvolvem na infância estas habilidades e competências sócio-emocionais, podem tornar-se adultos insensíveis e indiferentes à dor e ao sofrimento alheios, inclusive quando estes são causados por si mesmo.
Hoje em dia sabemos que, desde pequenas, as crianças são capazes de sentir todas as emoções de um adulto, só que ainda não sabem como percebê-las, rotulá-las, compreendê-las, nem regulá-las. Tudo isto precisa de ser aprendido.
Durante muito tempo, as emoções, nas escolas, ficaram da soleira da porta para o lado de fora. O conceito de inteligência emocional ainda não existia e, como as questões emocionais também não eram, normalmente, abordadas na educação doméstica, as pessoas tinham que aprender a lidar com as suas emoções como podiam, ou não podiam. Assim, na falta de uma educação emocional explícita, elas lutavam na escuridão, contra si mesmas, como dizem Berrocal e Ramos (2001), produzindo geração após geração de "analfabetos emocionais" - a minha inclusive.
Durante vários séculos, a ideia prevalecente era que somos humanos porque pensamos, não porque sentimos. Esta noção ganhou notoriedade, sobretudo a partir do século XVII, quando René Descartes publicou, em 1637, o livro Discours de la Méthode. Nesta obra, o matemático e filósofo francês afirmava "Puisque je doute, je pense; puisque je pense, j'existe" e, em outro momento, "je pense, donc je suis", frase que, quando a obra foi traduzida, posteriormente, para o latim, deu origem ao famoso axioma cogito ergo sum.
Ser inteligente, na sociedade ocidental, desde então, passou a ser considerada uma propriedade da razão, como, por exemplo, distinguir-se no domínio das línguas clássicas, do raciocínio matemático, das ciências ou da filosofia. A partir das contribuições de Alfred Binet, já no século passado, iniciou-se um intenso esforço para medir esta suposta faculdade unidimensional, através da pontuação obtida em testes de capacidade cognitiva, como os de QI.
Contudo, tais noções começaram a ruir, pouco antes do início do século XXI, pois tornou-se cada vez mais óbvio que a inteligência académica não era suficiente, nem para garantir êxito na vida profissional, nem felicidade na vida quotidiana. Impelidos por estas constatações, os teóricos começaram a considerar outros ideais e modelos de pessoa, diferentes do puramente racionalista, até então dominante na ciência e nas sociedades pós-cartesianas (Pacheco e Berrocal, 2001).
Os dois temas sobre os quais pretendo debruçar-me nesta breve reflexão são como se aprende a regular as emoções e qual é o papel da escola nesta aprendizagem. Antes de mais, é necessário esclarecer o que se entende por regular. Embora seja comum pensar que a regulação das experiências emocionais diga respeito, somente, à atenuação de emoções ditas negativas, o termo também se refere às emoções positivas, tanto no que tange a atenuá-las, quanto intensificá-las. Tratando-se do fenómeno emocional, a palavra regulação é utilizada em psicologia para designar os diversos processos, cuja função é modificar, em algum sentido, seja atenuando, intensificando ou transformando, tanto a experiência interior subjectiva, quanto a expressão de qualquer tipo de emoção (Etxebarria, 2001).
Ora, para poder aprender a regular as suas próprias emoções é necessário, antes, que a criança aprenda os passos precursores essenciais de perceber, identificar, rotular e compreender os seus eventos emocionais. A capacidade de perceber é inata, mas precisa de ser amadurecida. As de identificar, rotular e compreender, ao contrário, são organizadas, pouco a pouco, na interacção social. Não sendo, portanto, naturais, precisam de ser aprendidas. E, refira-se de passagem, trata-se de uma aprendizagem que demora muitos anos a processar.
O que permite o desenvolvimento de uma consciência emocional é o exercício continuado de tentar descrever as emoções sentidas, expressando-as por meio de palavras e do uso de etiquetas ou rótulos verbais precisos. É fundamental ser capaz de identificar as próprias emoções para entendê-las e para, só depois, conseguir entender as dos outros. Só quando se consegue avaliar com exactidão o que os outros sentem é que se pode reagir de forma solidária. Daí se conclui, portanto, que não se pode pretender ensinar solidariedade, sem antes educar emocionalmente.
Quando as crianças não desenvolvem na infância estas habilidades e competências socioemocionais, podem tornar-se adultos insensíveis e indiferentes à dor e ao sofrimento alheios, inclusive quando estes são causados por si mesmo. Por isso, a educação emocional e a educação de valores são importantes, desde a infância, para promover o desenvolvimento de uma personalidade socialmente equilibrada.
Da mesma forma que valores e atitudes são aprendidos em situações concretas, e não teoricamente, também assim é com a regulação eficaz das próprias emoções. Grande parte desta aprendizagem ocorre conscientemente, ou inconscientemente, por imitação dos adultos. Um problema sério, já que a expressão da raiva é, muitas vezes, a única modalidade de emoção que as crianças vêem os adultos à sua volta expressar. Pior ainda é quando esta é expressa em conflitos irreflectidos e, por vezes, até violentos. E o que dizer dos modelos que são bombardeados continuamente pelos media?
Reações emocionais inteligentes precisam de ser aprendidas com o auxílio de outros e pela prática e exercício continuados, não somente por preceito e instrução verbal. As crianças precisam de modelos, exemplos e de intervenções pedagógicas para aprenderem a lidar com suas próprias emoções. Isto deve ser feito não só em casa, como também na escola. Como educadores, devemos estar atentos às situações que favorecem esta aprendizagem.
A educação emocional é um desafio da escola no século XXI.
Site: Educare
EDUCAÇÃO EMOCIONAL
Paulo Périssé| 2007-06-01
Quando as crianças não desenvolvem na infância estas habilidades e competências sócio-emocionais, podem tornar-se adultos insensíveis e indiferentes à dor e ao sofrimento alheios, inclusive quando estes são causados por si mesmo.
Hoje em dia sabemos que, desde pequenas, as crianças são capazes de sentir todas as emoções de um adulto, só que ainda não sabem como percebê-las, rotulá-las, compreendê-las, nem regulá-las. Tudo isto precisa de ser aprendido.
Durante muito tempo, as emoções, nas escolas, ficaram da soleira da porta para o lado de fora. O conceito de inteligência emocional ainda não existia e, como as questões emocionais também não eram, normalmente, abordadas na educação doméstica, as pessoas tinham que aprender a lidar com as suas emoções como podiam, ou não podiam. Assim, na falta de uma educação emocional explícita, elas lutavam na escuridão, contra si mesmas, como dizem Berrocal e Ramos (2001), produzindo geração após geração de "analfabetos emocionais" - a minha inclusive.
Durante vários séculos, a ideia prevalecente era que somos humanos porque pensamos, não porque sentimos. Esta noção ganhou notoriedade, sobretudo a partir do século XVII, quando René Descartes publicou, em 1637, o livro Discours de la Méthode. Nesta obra, o matemático e filósofo francês afirmava "Puisque je doute, je pense; puisque je pense, j'existe" e, em outro momento, "je pense, donc je suis", frase que, quando a obra foi traduzida, posteriormente, para o latim, deu origem ao famoso axioma cogito ergo sum.
Ser inteligente, na sociedade ocidental, desde então, passou a ser considerada uma propriedade da razão, como, por exemplo, distinguir-se no domínio das línguas clássicas, do raciocínio matemático, das ciências ou da filosofia. A partir das contribuições de Alfred Binet, já no século passado, iniciou-se um intenso esforço para medir esta suposta faculdade unidimensional, através da pontuação obtida em testes de capacidade cognitiva, como os de QI.
Contudo, tais noções começaram a ruir, pouco antes do início do século XXI, pois tornou-se cada vez mais óbvio que a inteligência académica não era suficiente, nem para garantir êxito na vida profissional, nem felicidade na vida quotidiana. Impelidos por estas constatações, os teóricos começaram a considerar outros ideais e modelos de pessoa, diferentes do puramente racionalista, até então dominante na ciência e nas sociedades pós-cartesianas (Pacheco e Berrocal, 2001).
Os dois temas sobre os quais pretendo debruçar-me nesta breve reflexão são como se aprende a regular as emoções e qual é o papel da escola nesta aprendizagem. Antes de mais, é necessário esclarecer o que se entende por regular. Embora seja comum pensar que a regulação das experiências emocionais diga respeito, somente, à atenuação de emoções ditas negativas, o termo também se refere às emoções positivas, tanto no que tange a atenuá-las, quanto intensificá-las. Tratando-se do fenómeno emocional, a palavra regulação é utilizada em psicologia para designar os diversos processos, cuja função é modificar, em algum sentido, seja atenuando, intensificando ou transformando, tanto a experiência interior subjectiva, quanto a expressão de qualquer tipo de emoção (Etxebarria, 2001).
Ora, para poder aprender a regular as suas próprias emoções é necessário, antes, que a criança aprenda os passos precursores essenciais de perceber, identificar, rotular e compreender os seus eventos emocionais. A capacidade de perceber é inata, mas precisa de ser amadurecida. As de identificar, rotular e compreender, ao contrário, são organizadas, pouco a pouco, na interacção social. Não sendo, portanto, naturais, precisam de ser aprendidas. E, refira-se de passagem, trata-se de uma aprendizagem que demora muitos anos a processar.
O que permite o desenvolvimento de uma consciência emocional é o exercício continuado de tentar descrever as emoções sentidas, expressando-as por meio de palavras e do uso de etiquetas ou rótulos verbais precisos. É fundamental ser capaz de identificar as próprias emoções para entendê-las e para, só depois, conseguir entender as dos outros. Só quando se consegue avaliar com exactidão o que os outros sentem é que se pode reagir de forma solidária. Daí se conclui, portanto, que não se pode pretender ensinar solidariedade, sem antes educar emocionalmente.
Quando as crianças não desenvolvem na infância estas habilidades e competências socioemocionais, podem tornar-se adultos insensíveis e indiferentes à dor e ao sofrimento alheios, inclusive quando estes são causados por si mesmo. Por isso, a educação emocional e a educação de valores são importantes, desde a infância, para promover o desenvolvimento de uma personalidade socialmente equilibrada.
Da mesma forma que valores e atitudes são aprendidos em situações concretas, e não teoricamente, também assim é com a regulação eficaz das próprias emoções. Grande parte desta aprendizagem ocorre conscientemente, ou inconscientemente, por imitação dos adultos. Um problema sério, já que a expressão da raiva é, muitas vezes, a única modalidade de emoção que as crianças vêem os adultos à sua volta expressar. Pior ainda é quando esta é expressa em conflitos irreflectidos e, por vezes, até violentos. E o que dizer dos modelos que são bombardeados continuamente pelos media?
Reações emocionais inteligentes precisam de ser aprendidas com o auxílio de outros e pela prática e exercício continuados, não somente por preceito e instrução verbal. As crianças precisam de modelos, exemplos e de intervenções pedagógicas para aprenderem a lidar com suas próprias emoções. Isto deve ser feito não só em casa, como também na escola. Como educadores, devemos estar atentos às situações que favorecem esta aprendizagem.
A educação emocional é um desafio da escola no século XXI.
Referências: Berrocal, P. e Ramos, N. (2001), Corazón y Razón. Em P. Berrrocal e N. Ramos (Eds.), Corazones Inteligentes (pp. 17-34). Barcelona: Editoral Kairós. Etxerbarria, I. (2001), La Regulación de las Emociones. Em P. Berrocal e N. Ramos (Eds.), Corazones Inteligentes (pp. 449-477). Barcelona: Editoral Kairós. Pacheco, N. E. e Berrocal, P. (2001), Educando Emociones. La educación de la inteligencia emocional en la escuela y la familia. Em P. Berrocal e N. Ramos (Eds.), Corazones Inteligentes (pp. 353-375). Barcelona: Editoral Kairós.
*Paulo Périssé é Doutor em Psicologia pela USP, coordenador do Projecto The Global School®, Líder Pedagógico da Escola de Educação Internacional da Bahia e coordenador dos cursos de pós-graduação em Educação Inclusiva e Educação da Infância na Perspectiva Lúdica e Criativa da Universidade Católica do Salvador (UCSAL).